A inadimplência favorecida pelo credor

POR: L INDALVA DUART E ROLIM

A inadimplência sempre foi um dos problemas enfrentados pelas instituições de ensino. Durante a pandemia provocada pelo COVID19, muitas instituições entraram em alerta, outras não suportaram a crise e foram compelidas a encerrarem suas atividades. Parece que nos acostumamos a suportar a inadimplência generalizada como se essa prática estivesse enraizada, isto porque observamos que a inadimplência não ocorre apenas em escolas periféricas, onde o capital social é escasso e poderia, em tese, justificar a inadimplência na árdua escolha de primazias, mas, em sentido diametralmente oposto, as instituições de médio e grande porte também enfrentam essa realidade veiculada, inclusive em grandes reportagens sobre débitos de grandes celebridades. Logo, verifica-se que a inadimplência nem sempre está ligada à ausência de recursos financeiros, mas à triste cena cultural da ausência de espírito republicano quanto aos deveres que cada cidadão tem para com todos os demais cidadãos da república; o valor do pacto, da palavra e da lealdade, que impõe um estado de paranoia nas relações cíveis que cada vez requerem mais garantias para a consecução de contrato, que tinha tudo para ser uma relação simples.

Por outro lado, a própria legislação e a má interpretação dada à prática de inadimplência manejada por uma jurisprudência complacente aos devedores solidificam culturalmente um cenário alarmante, que recobra um cuidado maior por parte de gestores, administradores e departamentos jurídicos das instituições de ensino. Exemplo claro disso é a própria Lei 9.870/1999 (lei das mensalidades escolares) que em proteção ao inadimplente limita as instituições, proibindo-as de (i) suspender provas escolares, (ii) a reter documentos escolares, (iii) a aplicar quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, (iv) desligar o aluno por inadimplência (somente poderá ocorrer ao final do ano letivo ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o regime didático semestral) que no caso de descumprimento da legislação, enquadra no CDC (Código de Defesa do Consumidor) a fiscalização e a aplicação de sanções administrativas, além de outras como Código Civil Brasileiro com excessivo rigor às instituições, é claro. Além disso, é preciso considerar que o princípio da dignidade da pessoa humana (que serve para tudo) acaba por, infelizmente, fomentar uma jurisprudência complacente que pune a cobrança (mesmo legalmente conduzida) e que impede a cobrança de ambos os genitores (escondendo o genitor detentor do capital nas espáduas do genitor hipossuficiente), além de medidas executivas que tornam inviável a execução porque tudo é impenhorável.

Por outro lado, como mencionado alhures, para piorar o cenário, os próprios gestores contribuem para essa prática ao deixarem de adotar as medidas administrativas e a própria legislação em seu favor, como nos seguintes exemplos: isso ocorre na forma de cobrança ou ausência dela. Muitas instituições preferem o dissabor e a frustração de insistir na cobrança administrativa, sem qualquer critério ou organização.

Por vezes, elas sequer mantêm um cadastro organizado e atualizado de forma cronológica, o que dificulta na hora de negociar. Assim como na parte pedagógica, as instituições precisam se atualizar nessa função, adotando medidas de organização eficaz. É preciso que percebam que a cobrança administrativa nem sempre é eficaz, embora menos onerosa para devedor e credor. Todavia, a instituição que quiser manter essa rotina de cobrança, precisa alinhar as ações com o seu departamento jurídico, para que este entre no circuito quando não houver êxito na forma administrativa. Inúmeras dívidas são perdidas por prescrição, o que pode ocorrer em cobranças administrativas que perduram por mais de cinco (5) anos. Com isso, a instituição deixa prescrever seu direito de ação, favorecendo diretamente o devedor e amargando o prejuízo. Notamos também, que no entendimento dos gestores, basta a negativação e protesto como meio de encurralar o devedor. Essa prática cria gastos e não garante o recebimento do crédito sendo, no máximo, um pequeno transtorno superado pelo uso costumeiro de nome de parentes para outras situações.

Assim, como qualquer dívida no Brasil, o protesto em cartório também tem prazo de validade. O limite para a prescrição de protesto é de cinco (5) anos. Após esse período, o nome do devedor é retirado da lista de inadimplência. Outra prática que verificamos nas instituições refere-se ao momento de se fazer as negociações. Observamos que não há um critério, muito menos pessoas treinadas, por vezes é o próprio diretor quem recebe os inadimplentes, o que não aconselhamos, já que cria uma situação de pessoalidade que dificulta a negociação em assuntos sensíveis. Por isso, o gestor precisa delegar, de preferência para um departamento ou grupo de pessoas com forte poder de persuasão (treinamento específico é fundamental), que conheça a planilha de débitos e goze de capacidade de empatia com o devedor.

Geralmente, os devedores inadimplentes tentam uma negociação no fim do ano letivo, justamente para garantir a renovação da matrícula. É nesse momento que o setor de cobrança deve estar preparado para conduzir essa negociação. Caso contrário, a dívida que já era grande será aumentada com mais um ano letivo inadimplente porque, infelizmente, na elaboração do acordo pretérito a escola foi ingênua ou despreparada. Parcelas com prazos muito longos e acordos mal elaborados são práticas que contribuem com o devedor contumaz. O gestor entende que solicitando diversas garantias, como notas promissórias, cheques, etc, obrigará o devedor a cumprir o pacto, esquecendo-se de que muitas vezes a intenção do devedor é APENAS renovar a matrícula e as referidas garantias são frágeis como o próprio contrato.

E é por isso, que os gestores precisam entender que casos antigos e devedores de má-fé, precisam sair do campo administrativo para o judicial. É muito comum devedores antigos procurarem o escritório para acordo logo que recebem uma notificação judicial, somente assim, eles entendem que a instituição cansou das investidas na cobrança e tomou uma atitude mais agressiva. Por isso, cinco sugestões são apontadas: I. Acordos de confissão de dívida para rematrícula com garantias mais sólidas como FIADOR ou IMÓVEL EM GARANTIA; II. Sem quitação do ano anterior, FIXAR a impossibilidade de matrícula para o ano posterior (evitar acordos que servem apenas para forçar nova matrícula); III. Judicialização das dívidas no prazo máximo de seis (6) meses após o encerramento do contrato; IV. Criação de departamento de cobrança especializado e treinado para a finalidade ou a contratação de empresa especializada, para evitar a pessoalidade dos assuntos econômicos com os assuntos pedagógicos; V. Análise anual dos contratos de prestação de serviços educacionais.

Foto Lindalva Duarte Rolim

Lindalva Duarte Rolim

Sócia fundadora do Escritório Duarte Rolim Assessoria e Consultoria Jurídica, advogada especialista em instituições de ensino. Especialista em Compliance Trabalhista